DOUGLAS BRITO



No cenário de transição para a Declaração Única de Importação (DUIMP), a atenção dos gestores de Comércio Exterior tem se voltado quase exclusivamente para a classificação fiscal e a descrição de mercadorias no novo Catálogo de Produtos. No entanto, existe um "risco silencioso" nos dados mestres que, se ignorado, tem o potencial de paralisar operações inteiras: a inconsistência entre Unidade Comercial e Unidade de Medida Estatística, especificamente no que tange ao Peso Líquido Unitário.

O Erro Sistêmico do Mercado: O "Rateio"

Historicamente, o mercado importador negligenciou a precisão do peso unitário, focando apenas no peso bruto total da carga para fins de transporte.

Quando uma fatura comercial (Invoice) contém múltiplos itens (part numbers), é prática comum — e perigosa — entre despachantes e analistas realizar rateios matemáticos para preencher os campos obrigatórios do sistema, já que a informação detalhada raramente vem pronta do exportador.

Os dois métodos mais comuns de rateio são, na verdade, distorções estatísticas:

  1. Rateio por Valor: Assume-se que o item mais caro é necessariamente o mais pesado.
  2. Rateio por Quantidade: Divide-se o peso total pelo número de itens, assumindo que uma arruela pesa o mesmo que um eixo, apenas porque ambos são "uma unidade".

A Matemática do Gerenciamento de Risco (GR)

Por que isso é crítico agora? Porque os algoritmos de seleção para conferência aduaneira (parametrização) utilizam a Unidade de Medida Estatística para calcular o valor médio da mercadoria e compará-lo com o histórico global de importações.

Se você importa um componente eletrônico leve, mas de alto valor, e o rateio atribui a ele um peso excessivo, o sistema da Receita Federal lerá um valor por quilograma (USD/KG) irrisório. O algoritmo não interpreta isso como erro de digitação; ele interpreta como indício de subfaturamento ou fraude.

O inverso também ocorre: um peso subestimado gera um valor por tonelada astronômico, indicando possível superfaturamento para remessa ilegal de divisas.

O Fim do "Alerta" e o Início da Punição Automática

Na antiga Declaração de Importação (DI), o Siscomex possuía "travas" ou alertas parametrizáveis que avisavam o usuário quando o peso líquido e o valor da mercadoria apresentavam uma discrepância estatística grosseira antes do registro. Isso permitia uma correção de última hora.

Na lógica da DUIMP e do Portal Único, a premissa é a confiabilidade prévia das informações via Catálogo de Produtos. Até o momento, a nova sistemática não prioriza o "aviso amigável" no momento do registro, mas sim a análise de risco baseada nos dados pré-cadastrados.

Se o seu Catálogo de Produtos foi alimentado com pesos derivados de rateios aleatórios, cada DUIMP registrada será uma confissão de inconsistência. Diferente da DI, onde o erro era corrigido caso a caso, na DUIMP o erro está na raiz (no Catálogo).

Se você ficar ajustando o peso a cada embarque, os embarques anteriores poderão sofrer revisão aduaneira uma vez que o parâmetro de valoração está sendo alterado.

O Risco do Canal Cinza

A consequência direta dessa distorção não é apenas uma retificação administrativa. Discrepâncias severas no valor aduaneiro (causadas por pesos errados) são gatilhos clássicos para o Canal Cinza, regido por normas específicas de combate a fraudes, exigindo perícia técnica e comprovação de preço, o que pode reter a carga por meses

A migração para a DUIMP exige que a Engenharia e a Logística forneçam dados precisos. Não aceite mais Packing Lists consolidados que não discriminam peso por Part Number

A "matemática criativa" do rateio, que funcionou por décadas sob a tolerância do sistema antigo, é hoje o caminho mais rápido para a ineficiência logística e o passivo aduaneiro.